terça-feira, 29 de novembro de 2011

Jan Harlen fala.


Esta entrevista foi feita por Pedro Rodrigues e publicada no site do i. 
De lá foi retirada para vos mostrar:

Nascido no sul da Alemanha em 1937, Jan Harlan cresceu para se tornar a mão direita de um dos mais famosos realizadores de sempre. Com “Laranja Mecânica” ou “Shining” no currículo (além de “I. A. – Inteligência Artificial”), a experiência de Harlan na sétima arte é vasta. A convite do colectivo de argumentistas Monomito, esteve na Cinemateca, em Lisboa, onde o entrevistámos, para apresentar o documentário “Stanley Kubrick: A Life in Pictures”.
Como começou a relação profissional com o cinema?
Apaixonei-me pela sétima arte quando ainda era um adolescente louco por filmes de cowboys. Foi só mais tarde que conheci o Stanley [Kubrick], ainda estava a estudar. Comecei a dar-me muito com ele porque ele era casado com a minha irmã, mas na altura não tinha qualquer intenção de trabalhar com ele.
Então como surgiu a oportunidade de colaborar com Stanley Kubrick?
Em 1969 ele convidou-me para trabalhar num filme sobre Napoleão. O plano era irmos para a Roménia e ficarmos a trabalhar durante um ano. Eu sabia falar alemão e arranhar um pouco de francês, e estava habituado a planear, organizar e negociar, tudo elementos-chave num produtor. Acabei por aceitar essa aventura, mas a MGM cancelou o filme. Na altura quis voltar para casa, mas o Stanley fez pressão para ficar porque tinha gostado muito da experiência. Quando aceitei a proposta, a primeira coisa que fiz foi comprar os direitos para “De Olhos Bem Fechados”, em 1970.
Foram precisos 30 anos para fazer o filme?
Foi um processo muito difícil. Posso garantir que o “De Olhos Bem Fechados” foi o filme mais exigente da sua carreira. É muito interior, sobre fantasias sexuais e o ciúme. Tivemos muito cuidado porque queríamos fazer a melhor justiça à obra de Schnitzler [“A História de Um Sonho”]. Quando finalmente completámos o filme em 1999, o Stanley ficou tão feliz com o resultado que disse ser o seu maior contributo para a arte do cinema. Mas mesmo assim, e como sempre, foi arrasado pela crítica.
Alguma vez percebeu a razão para a controvérsia gerada pelas suas obras?
Kubrick era um animal político. Se olharmos para os seus filmes, de “Horizontes de Glória” a “Doutor Estranho Amor”, conseguimos ver uma linha que nos obriga a olhar para a nossa vaidade e tendência para a autodestruição. A maior parte dos seus filmes foram muito bem recebidos no cinto mediterrânico, mas enxovalhados na Inglaterra e EUA. Nos países católicos as pessoas são educadas no sentido de olhar o problema da luxúria e do sexo de forma muito séria. Já os países anglo-saxónicos defendem-se com piadas e descredibilizam os temas.
Como foi trabalhar com uma das maiores lendas do cinema?
Trabalhar com o Kubrick não era uma democracia, mas todos gostávamos que assim fosse. Era um homem com muita energia e carisma, e um filme é de facto feito por uma só pessoa. Tive a minha parte nele, organizei as coisas que ele precisava. Mas ele é que decidia o que precisava.
Diz-se que a memorável entrada de “2001: Odisseia no Espaço” foi coisa de sua autoria. É verdade?
Sim, nessa altura falávamos muito de música, era a única área onde eu conseguia estar ao mesmo nível que o Stanley. Ele precisava desesperadamente de uma peça musical que fosse estrondosa, mas que chegasse a um fim rapidamente. Na sua visão, quando se tem um trecho musical grandioso, não se pode simplesmente fazer fade out. Era código seu nunca cortar as peças e respeitar sempre o trabalho dos compositores como algo sagrado. Mostrei--lhe “Assim Falou Zaratustra”, de Richard Strauss, que o deixou maravilhado. Acabou por encaixar perfeitamente.
Depois de tantos anos a trabalhar no cinema, nunca sentiu vontade de se sentar na cadeira do realizador?
Para mim, um filme de ficção é uma obra de arte, e para fazê-la é preciso um artista. Qualquer um pode aprender a pintar, mas não se pode aprender a ser pintor. Essa é a grande diferença. Esse talento não vem de um processo no cérebro ou da aprendizagem, já faz parte de nós. Por exemplo, quando se estavam a fazer os primeiros filmes de ficção cientifica, que não eram mais que invasões alienígenas e sangue por todo o lado, Kubrick chega e faz uma vénia ao grande e desconhecido criador do universo, com toda a subtiliza e beleza visual. É isso que significa ser artista.
Qual a mensagem principal desta “tour” de seminários pela Europa?
Fazer perceber como transformar um filme numa obra de arte única. O maior requisito é estar apaixonado por aquilo que se faz. O princípio de um filme tem de ser como um caso amoroso, com todos os riscos que isso contempla.

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