Design de Arqº e “deixa andar”
Não me posso deixar caír na ingenuidade de
esquecer que os primeiros desenhadores de mobiliário e produtos foram
marceneiros, ferreiros, artesãos, arquitectos e engenheiros que, com as
respectivas origens e necessidades, deram origem a uma nova disciplina,
profissão e ferramenta para a sociedade. A verdade é, também, que muitos destes
são, naturalmente, dos ´designers´ mais influentes da história da disciplina.
Jesus também não era Cristão, foi um Judeu que fundou o Cristianismo,
tornando-se Cristão. Com um rápido crescimento industrial surge a necessidade
de separar ofícios e surge o Designer de Produto ou Industrial - alguém que se
começou a especializar em pensar, desenhar e criar produtos e objectos em
geral. As anteriores profissões foram-se direccionando lentamente de volta às suas
essências e importâncias, mantendo as naturais e necessárias ligações ao
Design.
Hoje, apesar da explosão do ritmo do mundo
e da diversidade de possibilidades que o mesmo oferece aos profissionais, um
designer, para o ser, deve englobar diversas atitudes e (até um certo ponto)
saberes profissionais, tão vastos quanto as áreas que o seu ofício de designer
exigir.
Foi-me ensinado, quase em jeito de
conselho, pelo meu primeiro professor de Projecto de Design, que, para
projectar, "Um Designer de Produto tem de ter em si, conforme as suas
necessidades, um bocadinho da cabeça de um engenhocas, um artesão, um técnico
de oficinas de materiais, um ergonomista, um artista, um psicólogo, um
filósofo, um engenheiro, um gestor, um industrial, um economista, um criativo,
um gestor de marketing... até um utilizador!... ou não fossemos também
utilizadores". Nunca me foi dito para ir exercer nenhuma destas profissões
nem tentar reproduzir na íntegra aquilo que fazem. Apenas me foi pedido saber
pensar e preocupar-me como todas estas facetas, para ser um Designer. A verdade
é que, na altura, esta achega ajudou-me a ´vestir o fato´ e saber para onde
direccionar a minha nova ´cabeça de designer´, ajudou-me a entender o que fazer
e como lá chegar. Ainda hoje faz sentido e espero que assim continue.
Curiosamente, naquela tão completa lista, não estava o arquitecto. Por muito
natural que seja interessar-me por arquitectura, que sempre me interessou, o
arquitecto não encaixa naquele puzzle que, no fim, mostra a cara de um designer
vestido de super-herói.
De facto, não é totalmente descabido que um
arquitecto desenhe, no seguimento de um edifício, as respectivas maçanetas,
interruptores ou mobiliário urbano. É só lamentável e grave quando corre mal,
porque as únicas preocupações do projecto foram embaratecer a obra e conferir
uma harmonia estética no interior ou exterior do edifício – o Objecto do
Arquitecto. É verdade e não surpreendente que há mais em que pensar quando se
pensa e projecta um Objecto como este. Não será de todo grave um Arquitecto
caprichar, seja porque não tem a mesma libertação ao desenhar um edifício, seja
por paixão, curiosidade ou pela conveniência que for, nuns rabiscos que o
encantam para dali tirar objectos de baixa exigência técnica ou intelectual. Falo por exemplo, de jarras ou serviços de
chá para oferecer e mais tarde, quem sabe, serem vendidos por um preço
justificado pela assinatura do arquitecto. (É triste para mim, quando o mesmo
acontece pela mão de um designer). Não é certamente coincidência que um
designer se veja infinitamente mais limitado para fazer a trajectória inversa.
Isto é, a partir do objecto, debruçar-se sob o edifício que o envolve, ao ponto
de se envolver no seu projecto e desenho. Por muito interesse e entendimento
que um designer tenha sobre o mundo da arquitectura, que faz bastante sentido,
não fará sentido algum que vá, só por paixão, interesse financeiro ou de imagem
pessoal, aventurar-se a conceber integralmente um edifício. Porque o
profissionalismo não exige só paixão, dinheiro e imagem, mas exige, entre
outras coisas, também capacidades técnicas e intelectuais. Valores que
determinam que cada indivíduo se encaixe o mais possível a fazer aquilo em que
se sente mais confortável, competente e útil que, dentro do bom senso, não estará
limitado por um curso superior que passa a ser o único rótulo de um
profissional . Não é saudável que alguém se limite deste modo, mas é igualmente
coerente evitar andarmos a exercer as profissões para as quais não estamos
preparados, por muita que seja a paixão ou necessidade económica.
Odeio sentir que estou a ensinar o básico a
um cão. Pior aínda é quando, no fim da conversa toda, o cão afinal já era
doutorado em ser cão.
Hoje, tomei conhecimento, no artigo de um
jornal , de uma nova empresa Portuguesa, sediada em Londres, que pretende
promover e vender produtos desenhados por portugueses, e fabricados em Portugal, num país estrangeiro.
E o facto dos ocultados nomes dos designers, ter sido ofuscado pelos dois
maiores nomes da Arquitectura Contemporânea Portuguesa,foi o que me levou a
escrever este texto.
Vender e promover Design Português no
estrangeiro é nobre e corajoso. É uma ideia boa.
Vender e promover Design Português,
vendendo como respectivos autores principais os dois nomes principais da
Arquitectura Português é paupérrimo. É uma ideia de merceeiro manhoso, não de
vendedor e promotor de design. Mais vergonhoso aínda porque é o Design
Português mais os dois mais reconhecidos Arquitectos Portugueses. Os três a
deixarem-se vender assim, não se promovem muito. Pode ser uma boa ideia mas não é uma ideia
boa. Portanto, é muito má ideia e é uma ideia errada de Design e bom negócio,
honesto.
Mas o revoltante deste assunto não fica por
aqui e vai mais além. É que toda a ideia parece estar bem concebida e
intencionada. Acreditem que não sou pessimista nem dramático. Acreditem que não
sou ressabiado nem frustrado. Aceditem
que tenho a melhor vontade, motivação e optimismo para acreditar no melhor.
Acreditem da mesma forma que eu, pelo sim pelo não, acredito no melhor e
acredito nesta ideia, mas fica difícil com aquele toque pacóvio dos nomes dos
arquitectos.
Mas porque é que os metem ali? Ou porque é
que se metem lá? Não fizeram e fazem já o suficiente com edifícios? Não são
competentes e felizes com edifícios? Se não é para aparecer é para quê? É para
pensar os objectos e os produtos? Não sei. Sei que é perigoso.
Sejam dignos.
No meio de tanta Juventude e design, o que
é que fazem ali (na Colour Design Concept) o ´Xor´ Souto e o ´Xor´ Vieira?
Esses nomes da Arquitectura. Nunca ninguém lhes chamou designers, porque de
facto não o são nem têm essa cabeça . São outra coisa e têm outra cabeça. Sejam
úteis e não inúteis. Sejam colocados e assertivos, e não deslocados,
impositivos e irresponsáveis. O facto de haver muito “Designer” que não o é a
tentar exercer tal profissão, é um dos grandes responsáveis pela imagem
desinfomada e errada que a generalidade das pessoas conservam quando
confrontadas com o conceito “Design”. Seja em que contexto for, a “Design”, o
subconsciente de muita gente continua ainda a associar adjectivos como: fútil,
caprichoso, bonito, moderno, luxo e pretencioso. Pessoas que normalmente, com a
mesma ingenuidade que pronunciam ´Désáine´ cultivam, naturalmente, a ideia de
que o Design é algo secundario e dispensável. Tal situação não acontece só por
falta de dinheiro para investir em design e na implementação do mesmo numa
sociedade, que em geral, poderia ser mais saudável e sustentável. Por
desinformação? Não pode. Por ignorância? Com certeza. Por ganância? Talvez. Uma
ferramenta social que (podia) tem de ser útil e presente, porque é essa a sua
natureza e função.
Enquanto o termo “Design” não for empregue
com mais seriedade, responsabilidade e utilidade, teremos uma probabilidade
enorme de continuar a conviver com a ignorância e o bizarre de um Design
“Shemale ” - qual capricho extravagante e inútil - desajustado da sua natureza,
mas que diverte e estimula os mais descompensados e extravagantemente inúteis. Não
tenho nada contra a mudança de sexo. Sou heterosexual e a minha convicção é de
que nunca mudarei. Do mesmo modo, creio em algo do género: “vale tudo desde que não me chateie, nem aos
outros - liberdade e respeito, ambos o mais possível”. Mas por favor, sejamos
profissionais, porque senão não haveria (nem haverá) profissões e carreiras,
nem felicidade. É este o grande Senão.
NOTA: Embrião de problemas.
Neste mesmo local, para não dizer “País” e
ser cansativo, há uma faculdade de arquitectura onde há um curso que, até há muito
pouco tempo, se chamava ´Arquitectura do Design´. Sim, Design em geral. E outro
que se chamava ´Arquitectura do Design de Moda´. Cursos com algumas qualidades
no seu interior. Mas, saído de uma casca suja, um fruto nunca pode sair muito
limpo.
Há “neste País” alguns hábitos e atitudes
que por muito pitorescos e genuinos que possam ser, noutras situações tornam-se
perigosíssimos. Nomeadamente quando se fala em desenvolvimento. A mesma
burocracia e ignorância que se “deixa andar” no "indiferente" nome de
um curso é a mesma ferrugem que se “deixa andar” mais tarde no
"indiferente" desenvolvimento de uma ferramenta que “não deixam” nem
“deixa andar” uma sociedade que não “resolve-se”. É um erro de merda!